quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

PRECOCE



─ Olha filho, que dia bonito! E você? Não vai brincar com seus amigos?

─ Não posso...

─ Por quê?

─ Estou pensando...

─ Pensando em quê?

─ Na vida, mãe, na vida!

─ Você? Pensando? Na vida?...Quer me matar de rir, menino? Ai, ai...

─ É sério, mãe! A vida é tão curta e eu tenho que...

─ E você só tem nove anos, esqueceu?

─ Nove e meio, quase dez!

─ Mas qual a razão desse abatimento? Diz aqui pra mãe, diz.

─ Estou tão desiludido da vida...

─ O quê? Não acredito que estou ouvindo isso, disse a mãe desatando a rir.

─ Não ri, mãe! Tô falando sério, meu! Cansei dessa vidinha sem graça. Eu queria revolucionar o mundo, sabe? Fazer alguma coisa notável; deixar a minha marca. Queria ser “O cara”, entende? Ter uma estátua minha, uma rua com o meu nome, um quadro meu... só sei de uma coisa: não quero ficar anônimo pro resto da vida!

─ Como assim? Quer virar celebridade?

─ Ah, mãe! Mais ou menos, viu...

─ Como mais ou menos? Você não quer é ser famoso, ser artista de cinema?

─ Não; eu não queria ir pra Hollywood, eu queria coisa ainda melhor. Ser como Einstein, Leonardo da Vinci, como Beethoven... ter uma grande obra , um grande feito.

Assim, iam “pagar pau” pra mim pelo resto da eternidade!... Pelo resto da eternidade! ─ repetiu dando ênfase.

─ O que é isso, Lucas? Quem te ensinou estas coisas? Com a sua idade as minhas preocupações eram: ir pra escola, brincar, fazer a lição de casa e só. Ah! E me comportar, ser uma boa menina, se não o Papai Noel não dava presente no fim do ano.

─ Papai Noel não existe! É tudo marketing, pra fazer comercial na TV e todo mundo ir torrar o décimo terceiro no shopping. Pensa que eu não sei, é?

─ Ai filho... você é uma figura!

Nesse momento a porta se abre.

─ Eduardo, ainda bem que você chegou. Tem que ouvir isso. Imagina que esse menino...

─ O que foi dessa vez, Luiza?

─ Não sei, não. Ele anda com umas idéias esquisitas...

─ Semana passada ele disse que ia se casar com aquela coleguinha de classe. E agora?

─ Ele disse, (vê se tem cabimento) que estava “desiludido da vida” e também que quer revolucionar o mundo, ser “O cara”... cada ideiazinha...

─ Me explica isso direito, quero ver se eu entendo. Você disse que ele...

(O filho interrompe a conversa)

─ Com três anos de idade, Mozart já arrebentava...e eu que já sou um homem feito não sei fazer nada. Não me conformo! Quero ser grande, importante...legal, irado, sabe?

─ Mas você já é filho, dizia o pai todo coruja. Tão bonito tão inteligente que você é. O orgulho do pai!

─ Não, pai! Eu queria ser importante como os caras que estão nos livros que você comprou pra mim; aqueles que a professora tanto fala! Ser um grande gênio, sabe?

(A mãe chama o pai a um canto)

─ Eduardo, isso é culpa sua! Você trouxe aqueles livros e mandou ele ler ( como se não bastasse o que ele aprende na escola) aí, ele enche a cabecinha de coisas. Não é mais como os outros garotos da idade dele: não quer sair, nem jogar bola, só fica o dia inteiro lendo ou pesquisando no computador. Passa o dia inteiro, como ele diz “na net”.

─ Eu só quis dar a ele um pouco mais de instrução que nós não tivemos, defendeu-se.

─ Ele é meio ─ justificou a mãe entre preocupada e confusa─ meio, meio...esquisito...

─ Esquisito, não: diferente! ─ interrompeu o pai

De repente, entra o filho na sala todo saltitante e grita:

─ Já sei vou assassinar alguém! ─ disse, com a maior naturalidade desse mundo─ quem sabe o presidente, não sei...

Os pais, boquiabertos, entreolharam-se brancos de susto.

─ Co-mo-é-que-é?!

O menino repete a idéia que teve .

Silêncio; quebrado pela mãe:

─ Está louco por acaso? Não diga isto nem de brincadeira.

─ Que idéia é essa filho? ─ enfim indagou o pai.

─ É que eu quero ser grande, pai!

─ Grande? É, já sei ...ah, sim! E ser um assassino é ser grande? Ahã...muito bonito...

─ Se conseguir matar alguém importante, sim! Eu entraria pra história. Meu nome em todos os livros, revistas, manchetes de jornais... pra sempre!

─ Moleque! Nunca ouvi tanta besteira e você não sab...

─ Ah, é? O cara que matou o presidente Kennedy, não ficou famoso? E o cara que matou o John Lennon, então hein?

─ Sim, sim claro! Vá em frente, mate, mate. E depois que ficar “famoso” “O cara” o que vai fazer ? como vai viver na prisão e sendo odiado por tanta gente?

─ Não sei! Eu sou só um menino: só tenho nove anos!

─ Tem nove anos e meio, quase dez ─ disse a mãe─ e, agora pouco, você disse que já era um “homem feito” lembra-se?

─ Mas vocês não me...

O pai toma a palavra:

─ Filho, olha aqui pra mim. Escuta: tudo bem que você queira ser alguém na vida, queira ser reconhecido. Mas você não precisa ser igual a ninguém e nem provocar escândalos e tragédias para aparecer. Deve se destacar, sim! Mas pelo que você é. E sabe de uma coisa?

─ Quê?

─ Pra mim você pode ser o que quiser: cientista, escritor, filósofo, advogado, músico, pintor, cozinheiro e até gari. Mesmo se não tivesse profissão e não fosse ninguém, quer dizer, ninguém pra esse mundo, eu me orgulharia de você. Pois eu não preciso ver o reconhecimento dos outros pra me convencer de que você é o mais importante, que é grande, que é o melhor do mundo!

E deu um abraço apertado no filho.

─ Vai brincar, vai. Você ainda tem muito tempo para decidir o que vai ser na vida. Deixe de ser precoce, menino! ─ disse em tom juntamente repreensivo e doce.

─ Vamos meu prodígiozinho, brincou a mãe.

Na manhã seguinte (de domingo) o pai se encontrava na varandinha da modesta casa, lendo costumeiramente o seu jornal, quando o filho veio o interromper:

─ Pai, o paiêêê!

─ Tão cedo? Caiu da cama, menino? E vem assim: descalço. Aposto que ainda nem escovou os dentes.

─ Não. É que eu tinha uma coisa pra te contar; não dava pra esperar não.

─ O que é, hein? Vê lá...

─ Já sei...

─ Já sabe o quê?

─ O que vou ser quando crescer.

─ Ah...

─ Vou ser...

─ Escritor? Ah! eu sabia...

─ Não!

─ Não?

─ Não.

─ E o que vai fazer pra ser grande, pra ser importante, “O cara” como tanto diz?

─ Eu vou ser um pai legal que nem você é.

Lidiane Santana



Não sei se todos conhecem, por isso postei. Escrevi isto quando tinha dezessete para dezoito anos. Nessa época eu ainda sonhava em constituir família. Agora sei que ter filhos é uma grande cilada e apoio o controle de natalidade, longe de mim fazer apologia a reprodução nesse mundo superlotado e exausto, nem almejo idealizar um mundo cor de rosa. Não tenho o menor interesse em ter um pirralhinho dependente de mim (por inúmeras razões), mas admiro os bons pais e ainda guardo este texto. Os valores mudam, mas a ternura fica.


3 comentários:

  1. Gosto mto desse seu conto. Mesmo vc tendo escrito ele há algum tempo, ainda é seu melhor (pelo menos dos que eu li). Talvez alguém ache Piegas. Talvez até seja mesmo, mas eu gosto. E vou dizer por que:

    Ele é quase todo escrito em diálogos tendo poucas e imperceptíveis intervenções do narrador. Isso dá uma fluidez no texto como se estivéssemos ouvindo um dialogo de um filme ou lendo apenas os balões de uma Hq. Eu chamo isso de texto multimídia – um texto que em sua formula, se adapta a qualquer meio.

    Outro ponto positivo a meu ver, é a linguagem coloquial q vc emprega. Dá mais autenticidade ao texto, por ser natural. Isso é algo que senti falta em seus outros contos. (no "Em cima do muro", por exemplo, vc mostra um personagem simplório e até medíocre, falando sobre coisas como DOPS e usando linguagem quase culta!).

    Nesse conto vc tbém usa assuntos um tanto inadequados para um menino. Mesmo com a justifica do próprio tema “Precoce” e com o fato dele ter informações através dos livros comprados pelo pai, ele tem apenas nove anos. Mas a espontaneidade do dialogo entre pais e filho torna até essas “forçadas de barra” mais verossímeis.

    De qualquer forma, tem mto de sua personalidade literária nesse texto – essa sua delicadeza agressiva (como uma inocente criança q quer destaque e decide virar assassino), e sua naturalidade. Isso por si, já da um charme todo especial ao conto.

    Gostaria de ver mais desse seu estilo empregado em prosa.

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  2. Excluir comentário de: Sapateiros de Palavras

    Blogger Chris Clown "8" disse...

    Sensacional, Lidiane.

    Ando preocupado com isto tbm, o que vou ser quando eu crescer. Não quero ser um anônimo e pretendo cravar meu nome na história.

    A questão só complica porque passa por duas esferas:
    Uma é que já sou grande e não sei o que significa isto.
    A outra é que não quero ser escritor (Será que vou ficar como o Paulo Hijo?), quero ganhar a vida honestamente fazendo piadas.

    Hahahahahaha

    Mas que dilema minha filha deve sofrer!

    Bjos Chris Um Pai, Poeta, Político e Palhaço Preocupado Pela Porra Perpétua ou seria PRECOCE?

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