segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O poeta é o cão do seu tempo. (E pode roer teus sapatos também.)


Elias Canetti


"O verdadeiro poeta, porém, o poeta tal como o imaginamos, está subjugado ao seu tempo, do qual é vassalo e lacaio, seu servo mais baixo. Encontra-se atado a ele com uma corrente curta e ilacerável, está preso a ele, sua falta de liberdade precisa ser tão grande que ele não possa ser transplantado para nenhum outro lugar. Sim, não fora certo sabor ridículo diria simplesmente: o poeta é o cão do seu tempo. Passa correndo por seu território, para a aqui e acolá; aparentemente por vontade própria, porém sem se cansar, suscetível a assobios vindo de cima, mas nem sempre, é fácil atiça-lo, difícil chamá-lo de volta, ele é movido por uma devassidão inexplicável; sim, mete o focinho úmido em tudo, não deixa nada de fora, e também volta, recomeça, é insaciável; de resto, come e dorme, mas não é isso que o distingue dos outros seres, o que o distingue é a assombrosa pertinácia do seu vício, esse usufruir intenso e minucioso, interrompido pela correria; assim como nunca está saciado, nunca consegue o que quer com a rapidez necessária; é como se tivesse aprendido a correr expressamente por causa do vício do seu focinho."


“E esse mesmo cão, que durante toda a sua vida corre atrás dos desejos de seu focinho, esse fruidor e vítima involuntária, ao mesmo tempo caçador e presa do prazer (…) deve, num átimo, estar contra tudo, pôr-se contra si mesmo e contra seu vício, sem, contudo, poder jamais libertar-se dele (…); uma exigência tão cruel e radical quanto a própria morte. / É, aliás, da morte que deriva essa exigência. A morte é o fato primordial, o mais antigo e, estar-se-ia mesmo tentado a dizer, o único. Tem uma idade monstruosa, mas se renova a cada hora”




Elias Canetti, “Hermann Broch”, em A consciência das palavras - Tradução: Kristina Michahelles


2 comentários:

  1. Eu, nheim?

    Vou parar de correr atrás de Pneus, vai que me confundem com algum poeta. Posso ser preso e mandado para a carrocinha, para virar sabão.

    Aproveitando:

    Quem quiser adotar um cão, eu tô aí?

    Abço

    O Cão sem Dono

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  2. Caro Chris desista de ter um nome e ser adotado.

    Poeta é cão sem dono que morde a mão que o acaricia.

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