segunda-feira, 22 de junho de 2009

pele de calcanhar (sapatos famosos ausentes)

Foto Elehtrika / Andressa Barros

Edson Bueno de Camargo


para a camarada Fátima Nunes Silva

quando criança no Cariri
amiga minha
tinha os pés no chão e no pó
o sol arrepiado no quengo
criança só se podia nas horas que sobravam

dia a dia
dedos solitários
e solidários às pedras
e seus carinhos
sertão de duros espinhos
uns na carne
outros na alma
(uns nunca se esquecem)

da cacimba a casa
pote sobre a cabeça
olhos em contrição ao céu
chuva não

ter uma sola sob os pés
que não fosse dura pele de calcanhar
(chinelas bem guardadas em casa)

só em dias de feira e igreja
nas raras festas em que se celebre
não se sabe o que de alegria
(deus de olho em tudo
sem fazer nada)

um par de sandálias de tira
(destas baratinhas
de borracha sintética)
com status de calçado de luxo
lavado até o fim do branco da palmilha

a linha funda do destino
cortava a epiderme e solado
(endurecia o couro e o espírito)

até às primeiras letras foi uma luta
rebeldia e silêncio da morte
para quem come pouco
nada é tão perto

demorou muito sapato

3 comentários:

  1. Rapaz, que lindeza de poema!
    sintese, ritmo e economia casando com o conteúdo...
    e me lembrou mãinha!
    Veja aí se um bom desafio, um mote alheio, não é bom pra atiçar a inspiração feito sopro na brasa?
    Mas diz aí, quem é a Fátima?

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  2. Fátima é uma amiga de luta, destas pessoas que é quase parente ( a filha dela é minha comadre), mulher do companheiro Santana, professora, militante política da velha guarda, sindicalista.

    Ela me contou da história dos chinelos e de que teve de fazer greve de fome para estudar.

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  3. Está ficando cada vez mais difícil exercer a funças de comentaristas "espoético", dada a qualidade e quantidade dos colegas. Mas gosto do tema, gosto da abordagem, gosto da descrição, gosto do desenvolvimento, gosto do ritmo, gosto do gosto por este gosto refinado de poesia firme, dura, pesada e humana. Um expressão Deja vu me toma, parece-me familiar esta história que nunca vivi.
    Minha família é de Monte Santo-Bahia, deve ser isso...
    Um abs Chris "O Artigo Indefinido"

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