terça-feira, 1 de setembro de 2009

"O que é um santo? Um santo é alguém que conseguiu realizar uma remota possibilidade humana. É impossível dizer qual é essa possibilidade. Eu acho que tem algo a ver com a energia do amor. O contato com essa energia resulta no exercício de um tipo de balanço dentro do caos de nossa existência. Um santo não resolve esse caos; se pudesse o mundo teria mudado há muito tempo.

Não acredito que um santo dissolva o caos nem para si mesmo, pois há algo arrogante e tipicamente guerreiro na concepção de um homem colocando ordem no universo. Sua gloria é um tipo de equilíbrio. Ele desliza à deriva como um ski solto. Seu curso é a carícia do morro. Sua marca é o acúmulo de neve naquele momento específico, arranjado pelo vento e a pedra. Algo no seu interior ama o mundo de tal maneira que ele se entrega para as leis da gravidade e o acaso. Longe de voar com os anjos, ele traça com a fidelidade de uma agulha de um sismógrafo, o estado da sólida paisagem. Seu lar é perigoso e finito, mas ele esta à vontade no mundo. Ele consegue amar as formas das coisas humanas, as formas finas e tortas do coração. É bom ter entre nós tais homens, tais monstros equilibradores do amor.
Leonard Cohen, Beautiful Losers (1966)"


tenho sapatos rotos

Edson Bueno de camargo

riscados de pedra e ladeira abaixo
tenho sapatos de pedra branca
e a terra insalubre de minha infância
o saibro que se desfazia ao vento e a água
e da infâmia acústica de meus ouvidos

tenho os pés lavados de agora
na torneira da chegada
e asas de santo vagabundo de estrada

tenho a beatitude do agora
e o medo obscuro que nunca me chegue a morte

tenho asas dobradas dentro de sapatos rasos
rasgadas à seda de uma lágrima
calçados de caos e areia diluviana

antes a dúvida perturbadora
dos incensos e sírios nas igrejas
da fé não respondida
à certeza que carrego agora

8 comentários:

  1. Leonard Cohen!
    Que merda, este negócio está ficando bom edson... Bom demais para o meu gosto. Leonard Cohen. Hã?!
    Quem diria que eu iria viver para ver isto. É mole?!

    Cara, concordo com isto em gênero, número, grau e santidade(!)-Risos- Agora quem desequilibra sou! Pra ver se há alguém aí fora pronto a reoganizar tudo que eu bagunçar.
    Vai ser legal.
    Um dia dou uma desordem no Caos que o cara va deixar do jeito que está... Não vai querer nem mexer na merda pra não feder mais.
    Estamos nessa, Sir Leonard Cohen.
    Edson, vamos até o fim...

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  2. Li o poema.
    E estou transtornado!
    Quando leio seus versos passeio por algo de mim que se perde sempre. É uma viagem muito gostosa e saudosa. Parece que sou um garoto novamente. Vejo tudo que diz. É muito extravagante, mas fabuloso. Fantástico!
    Estou muito feliz de estar postando este comentário, mas...
    PREOCUPO-ME
    Cara, você é eterno. Vamos caminhar com seus versos pelo infinito. Jamais será melhor a "Dúvida Perturbadora" a "Certeza que carrego agora"
    Não tema.
    Preciso parar de cheirar bunda sem procedência, maior viagem:
    "O poeta é um fingidor..." Não e mesmo?! Diz que sim! SSSIIIIIMMMMMM

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  3. "tenho a beatitude do agora
    e o medo obscuro que nunca me chegue a morte"

    Este poema, pra mim, é o melhor Edson Bueno de Camargo que já li e o melhor poema deste blogue até então (e isso é mais ou menos o que o Chris já disse, só que sem a bichice).
    Depois deste elogio, vou ter que falar mal do próximo poema teu postado aqui, combinado?
    Caramba!

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  4. E que bom que meus parceiros mantiveram chama acesa... eu particularmente já tinha quase desistido dos Sapateiros... Bobice, né?

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  5. Pode falar mal dos outros, e olha que deste poema até eu gostei. Embora sinta que sempre diga a mesma coisa, que ando mergulhado em uma nostalgia besta. Ainda agora que descobri que nostalgia e suicídio tem a mesma raiz psicológica.

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  6. Enquanto tiver couro para cortar e solas para pregar, estaremos ai.

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