"O que é um santo? Um santo é alguém que conseguiu realizar uma remota possibilidade humana. É impossível dizer qual é essa possibilidade. Eu acho que tem algo a ver com a energia do amor. O contato com essa energia resulta no exercício de um tipo de balanço dentro do caos de nossa existência. Um santo não resolve esse caos; se pudesse o mundo teria mudado há muito tempo.
Não acredito que um santo dissolva o caos nem para si mesmo, pois há algo arrogante e tipicamente guerreiro na concepção de um homem colocando ordem no universo. Sua gloria é um tipo de equilíbrio. Ele desliza à deriva como um ski solto. Seu curso é a carícia do morro. Sua marca é o acúmulo de neve naquele momento específico, arranjado pelo vento e a pedra. Algo no seu interior ama o mundo de tal maneira que ele se entrega para as leis da gravidade e o acaso. Longe de voar com os anjos, ele traça com a fidelidade de uma agulha de um sismógrafo, o estado da sólida paisagem. Seu lar é perigoso e finito, mas ele esta à vontade no mundo. Ele consegue amar as formas das coisas humanas, as formas finas e tortas do coração. É bom ter entre nós tais homens, tais monstros equilibradores do amor.
Leonard Cohen, Beautiful Losers (1966)"
tenho sapatos rotosEdson Bueno de camargo
riscados de pedra e ladeira abaixotenho sapatos de pedra brancae a terra insalubre de minha infânciao saibro que se desfazia ao vento e a águae da infâmia acústica de meus ouvidostenho os pés lavados de agorana torneira da chegadae asas de santo vagabundo de estradatenho a beatitude do agorae o medo obscuro que nunca me chegue a mortetenho asas dobradas dentro de sapatos rasosrasgadas à seda de uma lágrimacalçados de caos e areia diluvianaantes a dúvida perturbadorados incensos e sírios nas igrejasda fé não respondidaà certeza que carrego agora