domingo, 18 de abril de 2010

Zabé da Loca




és como foi minha avozinha
lenço amarrado na cabeça
olhos grandes de olhar comprido
destes que devoram tudo com carinho
e cuidado
gente de granito e pés suaves
mesmo para trilha de pedras

muheres com dobras e rugas
quase uma centena de anos cansados
rostos com sombras
e o dedo com o osso apontado

mulheres de parar o vento com o silêncio
e mover pedras com o sussurrar
constroem casas com barro
cacimbas no seco
donas da terra e da água
e  aproximam o ventre do ar


senhoras que vestem o mundo
e tecem com os panos
e fiam o algodão das nuvens

ai que os anjos esfarrapados da caatinga
os anjos vaqueiros e pascentadores de bodes
os anjos moleques a tramar travessuras
os anjos de todas as partes e os afogados
e o louco poeta na margem da metrôpole

todos param para ouvir
um pedaço de cana soar as trombetas do céu







sexta-feira, 16 de abril de 2010

timoneira de naufrágios



Edson Bueno de Camargo

lendo Daniel Mazza

o poeta
coleta ossos do verbo
para que se esclareça
o tempo e palavra

a morte fuma
cachimbo de marinheiro
a fumaça entre os dentes sem lábios

velha timoneira de naufrágios
ancorada em um cais seco
nas margens do Mar de Aral

terça-feira, 6 de abril de 2010

geografia perfeita para insetos


 
 
Edson Bueno de Camargo

a sombra
desta árvore
abriga uns silêncios
expectativa
e algo mais que não se distingue


linhas do tempo dos sonhos
já não se desenham
em sua casca


estas se fazem na calçada
suas irregularidades
geografia perfeita para insetos
contam histórias aos geomantes

sexta-feira, 2 de abril de 2010

a fome


 Traudi Ingrid Meurer



Edson Bueno de Camargo


recobrou o olho
e este tinha fome
a fome insaciável dos olhos

e o olho cobrou a fome
desde os tempos imemoriais da fome

o quanto dar de comer ao olho
se este não se sacia

quanto de velhas fotografias
tanto de livros amarelos
jornais dobrados até se tornarem quebradiços
cartas de amor não correspondido
e flores e frutos secos guardados em gavetas

quanto de moedas antigas
de quinquilharias


a fome voraz de papéis velhos
e dedos envelhecidos
óculos para miopia

de tantos e todos tempos e temperos
que calaram em renascimentos

e ai se destilou o dia
com a luz coada
de olhares furtivos pela janela
e seus vidros ensebados e turvos
cor que se esmaecia